Lemos no Livro de Tobias que, naquele tempo, o povo de Deus sofria muito. Vivia o exílio na Babilônia e não tinha nem mesmo direito de enterrar seus mortos. Tobit, pai de Tobias, era um homem justo. Às escondidas, correndo grande risco, arrastava os cadáveres para o fundo de sua casa e, durante a noite, os sepultava. O velho Tobit ficou cego, mas quem vacilou na fé foi Ana, sua esposa. Ela começou a pensar: “Como pode ser? Tobit vive dando esmola, nunca viveu para si nem para nossa família. Ele sempre viveu para os outros e agora fica cego? Onde está Deus? Valeu a pena fazer tantas coisas?”. Ela cedeu à tentação e um dia agrediu Tobit: “O que valeram as suas esmolas? O que valeu você correr o risco, sepultando os mortos? Veja o que aconteceu com você. Que Deus é esse em que você confia?”. Embora balançado, Tobit se volta para Deus e faz uma oração angustiada:
“Tu és justo, Senhor, e são justas todas as tuas obras. Todos os teus caminhos são misericórdia e verdade, e tu julgas o mundo. Agora, Senhor, lembra-te de mim e olha para mim. Não te vingues de mim por causa de meus pecados, pelas minhas faltas e as de meus antepassados, com as quais pecaram diante de ti” (Tb 3,2-3).
O mesmo capítulo relata a história de Sara, uma moça que morava muito longe dali. Ela era filha de Ragüel, de Ecbátana, na Média, e foi dada sucessivamente a sete maridos. Quando a Bíblia diz sete quer dizer muitos maridos. Assim que eles se aproximavam de Sara, um demônio chamado Asmodeu os matava. Este nome quer dizer “perdedor”. Ele fazia com que Sara perdesse seus maridos (cf. Tob 3,8).
Houve um dia em que Sara foi agredida com palavras duras por uma de suas servas: “és tu que matas os teus maridos! Já foste casada com sete homens, e com nenhum deles tiveste prazer! Por que nos maltratas por causa dos teus maridos, por terem morrido? Vai juntar-te a eles, e que nunca vejamos filho ou filha nascidos de ti!” (Tb 3,8-9).
Diante disso, Sara também levantou a Deus uma oração angustiada. “Na mesma hora foi ouvida a oração de ambos, na presença da glória de Deus” (Tb 3,16-17). Este é o versículo-chave para os nossos lares. Eram orações angustiadas de um homem e de uma mulher, e foram ouvidas ao mesmo tempo na presença do Deus Altíssimo, que enviou o arcanjo Rafael para socorrer Tobit e Sara em suas aflições.
Saiba: Deus escolheu um anjo para curar, salvar e libertar o seu casamento. Ore e peça ao Senhor, mesmo na angústia. Ele moverá o céu e a terra, se preciso for, mas virá em seu socorro, como veio em auxílio a Tobit e Sara.
Nós, homens, frequentemente deixamos nossa vida “correr na banguela”[1]. Motoristas de caminhão geralmente agem assim, e sabemos o risco que há em “andar na banguela”: tenta-se introduzir uma marcha reduzida, mas ela não engata e o caminhão não para… Os filhos de Deus têm colocado seus lares, a arca da aliança que Deus lhes confiou, em grande risco, levando o casamento na “banguela”.
Deus hoje diz a cada um:
Meu filho, você é o caminhoneiro que coloquei na direção do seu lar. Confio em você! Minha filha, se o seu marido não está sendo o caminhoneiro que precisa ser, é você que está com a direção na mão. Então, você não pode hesitar em tentar trocar a marcha e pisar ora no acelerador, ora no freio… Você não pode levar “na banguela”. Você precisa estar com a marcha engatada em mim. A sabedoria de que você precisa é a minha sabedoria, e não a do mundo. A mentalidade de que você precisa é a minha mentalidade, e não a das novelas. Eu escolhi você. Eu confio em você.
Deus enviou o arcanjo Rafael para socorrer Sara e Tobit. Tobit resolveu mandar seu filho Tobias para uma terra estranha, distante, a fim de buscar o dinheiro que lhes pertencia e se casar com alguma moça de sua raça. Um jovem, então, aparece para acompanhá-lo, mas Tobias nem desconfiou que era um anjo. Começam a viagem:
Tendo entrado na Média e já aproximando-se de Ecbátana, disse Rafael ao jovem: “Tobias, meu irmão!” Ele respondeu: “Que há?” O anjo continuou: “Devemos passar a noite na casa de Ragüel. Ele é teu parente e tem uma filha chamada Sara. Ele não tem outro filho ou filha além de Sara, e tu és o parente mais próximo que todos os outros, com o direito de casar com ela. Também é justo que entres na posse dos bens de seu pai. Essa moça é sábia, corajosa e de grande formosura, e seu pai lhe quer muito bem. Disse ainda: “É justo, pois, que a recebas. Ouve-me, então, e falarei sobre ele esta noite, para que a recebamos como tua noiva. Quando tivermos voltado de Rages, celebraremos o casamento […]”. […] Tobias respondeu a Rafael: “Azarias, meu irmão, ouvi dizer que ela já foi dada em casamento a sete homens, e todos morreram de noite, em seu quarto: quando estavam para aproximar-se dela, morriam. Ouvi algumas pessoas dizerem que um demônio os matou. Por isso tenho medo, uma vez que esse demônio a ama e não faz nada para a moça, mas mata qualquer um que se aproxima dela. Sou filho único de meu pai. Se eu vier a morrer, levarei a vida do meu pai e de minha mãe para a sepultura, cheios de dor por minha causa. E eles não têm sequer outro filho, que possa seputá-los” (Tb 6,10-13a.14-15).
Na tradução da Bíblia Ave Maria, existem ainda dois versículos que dizem:
O anjo respondeu-lhe: “Ouve-me, e eu te mostrarei sobre quem o demônio tem poder: são os que se casam, banindo Deus de seu coração e de seu pensamento, e se entregam à paixão como o cavalo e o burro, que não têm entendimento: sobre estes o demônio tem poder. Tu, porém, quando te casares e entrares na câmara nupcial, viverás com ela em castidade durante três dias, e não vos ocupareis de outra coisa senão de orar juntos […]” (Tb 6,16-18).
Para o mundo, isso é uma loucura: casar-se e passar três dias em castidade e em oração!
Há nesses versículos uma revelação de Deus não apenas para a situação de Sara e Tobias, mas para todos os casamentos, inclusive o seu.
Essa foi a “receita” que Deus deu a Tobias por meio do anjo. Não era Sara que causava a morte de seus maridos, mas eles mesmos. Todos eram estrangeiros; sem Deus. O demônio tinha poder sobre eles, porque agiam, como diz a Palavra acima, “como o cavalo e o burro, que não têm entendimento” e buscavam apenas a beleza, a jovialidade, a sexualidade de Sara.
Tobias e o anjo chegam à casa de Ragüel, pai de Sara. Assim que começam a conversar, descobrem que são parentes. Vendo um rapaz tão bem formado, Ragüel entusiasma-se, toma a iniciativa de oferecer a mão de sua filha em casamento e realiza, ali mesmo, a cerimônia.
Quando terminaram de comer e beber quiseram dormir. Levaram o jovem e o acompanharam até o quarto. Tobias então lembrou-se das palavras de Rafael, e retirou da sua bolsa o coração e o fígado do peixe e os colocou sobre as brasas do incenso. O odor do peixe manteve à distância o demônio, que fugiu para as regiões mais remotas do Egito. Rafael foi até lá, prendeu-o e logo voltou (Tb 8,1-3).
Isso não é “história da carochinha”. É a Palavra de Deus para nós na Bíblia, mesmo que estranha à nossa mentalidade tão mundana. É isso que nos diz a Palavra de Deus. Tobias obedeceu a Deus, realizando o que o seu companheiro de viagem lhe havia ordenado, e o demônio foi vencido. A vitória veio da obediência.
Monsenhor Jonas Abib
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